quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Tradição I

Lembro-me de 6 ou 7 anos atrás. Minha cunhada Nathália ainda estudava em uma escola que participava destes desfiles de 7 de setembro na principal rua do Centro de Niterói. Ao chegar lá, já aconteciam desfiles há um bom tempo.

Era cerca de 11:30h da manhã, o sol impondo o ritmo do calor. O asfalto queimava tudo o que tivesse vida e uma multidão desorganizada de pessoas amontoava-se no meio da avenida. Já não se sabia o que era o desfile e o que era o público, quando surge no meio da baderna uma menina no auge dos seus 13 anos com um grupo grande de companheiras fazendo malabarismo com fitas e movimentos de dança quando, repentinamente, ela e suas amigas fazem o impensável. Naquele asfalto quente com suas meias-calças e um colant de lycra, abriram um completo espaguete (movimento em que se abrem as pernas lateralmente até que ambas toquem o chão em toda sua extensão) e, como não bastasse aquela loucura de movimento auto-flagelante, repetiam o movimento ao longo de toda a avenida. Graças a Deus não era eu o refém daquela coreografia. O que as trouxe aqui pensei eu. Será que estão ganhando alguma bonificação pra isso? Obviamente não estavam ali movidas por qualquer sentimento patriótico mas, sem divagar muito nos motivos delas, olhei em volta e vi ali um grupo enorme de pais, professores, políticos, vendedores de pipoca e outros tipos que compõem, o que naquele momento me encheu o coração de alegria por pertencer, nossa sociedade.

Naquele cenário, vi um lado da tradição que não me embrulhou a alma. De repente comecei a amar reuniões de família, outrora tediosas, e comecei a ser tomado por uma curiosidade avassaladora sobre os horrores que meus avós viveram, uns na segunda guerra, outros retirantes do nordeste tentando a vida na capital, pormenoridades das quais fui inconsolavelmente privado, exceto por uma ou outra história que acabamos por ouvir de tabela nos natais. Ah, como eu lambi os dedos da tradição naquela hora. Pareciam-me os meus próprios dedos repletos da raspa de um bolo feito no meio da tarde.

Amei ali todas as bandeiras, escudos de família, entendi os feriados, rituais de passagem, enfim, foi paixão à primeira vista. Então acordei aos poucos lembrando de cada péssima tradição. Cada estupidez humana precedida pela melhor das intenções, cada beijo desperdiçado com amores não correspondidos, cada buquê, efêmero buquê. Tudo de repente era tão efêmero que parecia perder sentido e as tradições, numa velocidade enorme fugiram de mim e só não se extinguiram por uma coisa: o que eu acabara de sentir era forte demais para esquecer.

Ficou claro pra mim que as tradições só fazem sentido porque estamos em constante mudança. Se não estamos, não faz sentido nenhum. Seu papel é lembrar, nessa jornada de mudanças, que somos recheados dos mesmos mistérios que nos desenvolvem e maquiados por essa mesmice que não nos deixa esquecer o lado de onde viemos e a direção que estamos tomando.

Tradições também são pontos de partida, de inícios absolutos e de recomeços possíveis e, nesse ponto mais bonito, um ode à tradição.

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