sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Crônicas de um café imaginário

Capítulo 1 - Um adolescente, Crisoloras e Da Vinci


O que poderia dizer um atendente de balcão de um café imaginário, com possíveis imaginários clientes de épocas imaginárias da minha mente imaginativa em um tempo só possível de conceber na imaginação? Bom, se imaginou que pode estar perdendo tempo, melhor parar de ler agora. Depois não diga que não avisei.


O ano é de... em que ano nós estamos mesmo?
12 com 3 e vai um, menos sete, mais trinta e dois, novesfora... ah, deixa pra lá! O tempo nesse bendito café é o que menos importou mesmo, sempre! O que vou contar aqui, fez e faz parte do meu dia-a-dia. Uma tal gente estranha que passa por aqui e finjo ver, ou que vem mesmo ou acabo me convencendo que é real. O fato mesmo é que nunca terei certeza se essas pessoas existem (ou existiram) mesmo. Se pudesse, eu me convenceria que todas as pessoas são apenas bocas que bebem cafés e bolsos que se esvaziam para manter minha vidinha na minha adorável mediocridade. Nenhum doido que frequenta este café é igual ao outro. Quer dizer, como eu poderia explicar? É… já sei! Guardanapos! Guardanapos tem padrões, talheres tem padrões, louças, toalhas de mesa, tudo isso tem padrões, mas não consegui perceber um padrão de doidice por aqui. E os doidos sempre são absolutamente diferentes, igualzinho às digitais... que são diferentes. É..., ... tá!


Dia desses, eu havia acabado de terminar de organizar a louça para o início do dia de trabalho, meu patrão desceu as escadas que dão no segundo piso do sobrado velho, pegou aquele mole de chaves de uns dois quilos que ele tem - só pra ficar claro, dois quilos de CHAVES. É, isso mesmo que você leu, chaves. Todas presas a uma grande argola que mais parece um bracelete enferrujado com uns desenhos estranhos. Acho que é assim que ele mantém a forma.
Se dirigindo até a porta, foi abrindo cada trinco com uma calma de monge, fazendo ranger os barulhos de ferro dos trincos como se fossem os sagrados sinos de uma igreja pra lá de sagrada. Parece que aqueles malditos barulhos são suas orações. Tô quase acostumado! Ai, que raiva! Fico sempre me perguntando: Porque eu não terminei meus estudos?
- Maldito supletivo que não acaba! Eterno como esses barulhos dos infernos!
Falei baixinho.
- O que disse?
Me perguntou ele, ao que disfarcei:
- Quer ajuda?
Ele nada disse, apenas olhou estranho pra mim. Me recompus e passei a alisar o balcão com um pano. Mal terminou ele de abrir e já entrou aquele sujeito. Pra mim era algum ator de teatro, mas estava sóbrio demais e muito bem acordado a uma hora daquelas. Fui atendê-lo e reparei umas penas de pássaros agarradas em sua roupa. Retirando algumas penas, perguntei, como se já esclarecido:
- O senhor está fazendo propaganda para a petshop, certo? Conheço os pássaros de lá e sei que algumas dessas penas são deles.
Disse eu orgulhoso de minhas observâncias. E chegando ele ao pé do meu ouvido, disse:
- Não me reconhece? Sou eu, Leonardo. Estou fugindo.
Nessa hora, gelei. Esse cara deve comer passarinho! Olha só a roupa dele! Afastei-me cautelosamente. Ele, percebendo minha aflição, disse:
- Soltei os pobrezinhos. Como podem fazer tamanha maldade com seres tão indefesos? Todos os pássaros devem estar livres.
Respirei aliviado, soltei o terço que apertava com força e esfreguei a testa com um guardanapo.
- O senhor vai querer beber alguma coisa, um café?


De repente um adolescente, cliente da casa, entra pela porta arfando desesperado, me apressando:
- Solta um chocolate aí, tio! Pra viagem! Rápido que eu tenho que ir pra escola. Vou chegar atrasado!
Quem chegou soltando foi ele, sobre o balcão, as moedas que tinha na mão. O senhor Leonardo esboçava dizer algo quando outro ser estranho e vestido de roupas estranhas entrou no Café.
- É hoje! - Disse eu saindo para preparar o chocolate do rapaz!
- Bom dia, senhores. Comigo está tudo muito bem, obrigado. Alguém aqui pode me dizer onde encontro nessa cidade outro alguém disposto financeiramente, capaz de bancar um pelotão ou quem sabe até mesmo um exército, ou disponibilizar um?
Percebendo o silêncio da sala, apresentou-se:
- Perdoem meu senso de humor. Estou a serviço do meu país. Mas não tenho tido muito sucesso ultimamente.
E antes que terminasse de dizer ultimamente, o senhor Leonardo levantou-se:
- Eu sei quem é o senhor, Mestre Crisoloras. Somos todos gratos por sua estada em Florença.
- Florença? O que tem minha estada? O que me fez famoso por lá?
- Famoso eu não diria, mas de suma importância. Permita-me apresentar-me. Meu nome é Leonardo Da Vinci.
Interrompeu o adolescente:
- Da Vinci? Esse nome não me é estranho. Peraê. Vô googar pra ver se acho.
Crisoloras, muito interessado, perguntou pro seu Leonardo:
- O que falam de mim em Florença?
- Em Florença não, no mundo.
Interrompeu o menino, alheio à conversa.
- Ih, é o carinha que pintô a Monalisa. Aí véio, mandô bem, hein! Diz aí, tu pego aquela mulezinha, né?
Crisoloras pediu silêncio ao menino e continuou perguntando ao seu Leonardo:
- No mundo?
- Seu magistério em Florença deu origem à ideia do homem da renascença, da qual eu sou, ou fui (disse, olhando para o menino) um dos maiores expoentes.
- Só estive lecionando em Florença nos últimos três anos. Meu grande objetivo era reunir um exército para defender meu país mas não consegui nada para evitar a invasão turca em Constantinopla. Percebi que meus serviços em Florença não eram mais necessários ao império bizantino, cuidei de buscar noutras terras. Acabo de voltar de Milão, e não sei como parei aqui.
- É, velho mestre! Veja como são as coisas. Alguém com conhecimento, ainda que não tenha essa intenção, é capaz de transformar o mundo. E você, de certo modo, transformou o nosso mundo, mas um mundo que é futuro ao seu.
Apontando para si e para o menino que tomava o chocolate e na mesma hora parou para perguntar:
- Mundo futuro? Como assim?
Ao que seu Leonardo respondeu:
- Você chegou aqui dizendo que estava atrasado para a escola?
- Ih, é mesmo. Mas, me diz aí, Da Vinci: Que sorriso era aquele da Monalisa. Fala a verdade, era maconha, né?
Deixei escapar uma risada breve que se dissipou após decrescente volume e perguntei desconversando.
- Senhor Crisântemo, deseja beber algo?