quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Quantas vidas - Cataclismas

Esses dias me dei conta de que vivi várias vidas. Não é papo espírita de reencarnação nem nada disso. É que eu estava em Itacoatiara. Lembrei de quando eu tinha 13 anos e morava ali. Ali vivemos (eu e minha família) os melhores e os piores momentos de nossas vidas. Afinal, éramos adolescentes e morar em Itacoatiara quando se é adolescente é quase como dar uma arma a paciente psiquiátrico "recém foragido" de um hospital (psiquiátrico, é claro).

Mas voltando ao assunto, a nostalgia me levou à percepção curiosa de que eu era uma pessoa completamente diferente da que tenho costumado ser ultimamente. Não se assuste, também não é papo "Eu, eu mesmo e Irene". Não estou falando de dupla personalidade, mas estou falando de uma experimentação periódica vivida por meus átomos ao longo destes 30 anos. Cara, foi estranho escrever 30 dessa vez. Quer dizer, nem sei se, dos átomos, algum restou daquela época. Deve ter restado, ou então são todos uns fofoqueiros e foram passando para os que chegavam as informações das experiências que tiveram, coisa que chamamos de memória e eu acho que vou chamar de fofoca.

Comecei a abrir o baú da fofoca e vi o filme da minha vida, um sopro, mas sempre um sopro diferente. Percebi cataclismas pessoais que foram "dividindo as pessoas de antes das pessoas que iam nascendo". Olhei pro lado e vi minha esposa. Ela estava ali, toda linda e posei pra foto da memória. Virou fofoca também. Esses cataclismas - pensei eu - tenho que estar atento a eles. Foi me dando um medo de me tornar outro e, este medo acabou me transformando em outro. É como ir saindo de cascas cada vez menos duras. Sei disso porque essa foi bem fácil. Acho que a mais dura de todas é a nossa mãe e o que vem depois é lucro. Mas o medo. Parece que somos mais medrosos e ao mesmo tempo mais kamikazes também. E é exatamente nesse momento kamikaze que o cataclisma acontece. Pelo menos comigo percebi que é assim.

Quando alguém diz: “Poxa, eu nasci de novo”, acho que nasceu mesmo. Um filósofo certa vez disse que ninguém sabe exatamente o dia em que nascerá. Talvez, mas o que sei é que no próximo cataclisma, mais uma casca vai embora e dessa vez serei também observador, não apenas o observado dessa mutação. Verei tudo com outros olhos, abraçarei pessoas com outros abraços, conversarei com outras palavras e beberei a vida como um vinho cada vez mais velho. Assim espero. Assim será. (Viram, nas últimas duas frases outro cataclisma.)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Tradição I

Lembro-me de 6 ou 7 anos atrás. Minha cunhada Nathália ainda estudava em uma escola que participava destes desfiles de 7 de setembro na principal rua do Centro de Niterói. Ao chegar lá, já aconteciam desfiles há um bom tempo.

Era cerca de 11:30h da manhã, o sol impondo o ritmo do calor. O asfalto queimava tudo o que tivesse vida e uma multidão desorganizada de pessoas amontoava-se no meio da avenida. Já não se sabia o que era o desfile e o que era o público, quando surge no meio da baderna uma menina no auge dos seus 13 anos com um grupo grande de companheiras fazendo malabarismo com fitas e movimentos de dança quando, repentinamente, ela e suas amigas fazem o impensável. Naquele asfalto quente com suas meias-calças e um colant de lycra, abriram um completo espaguete (movimento em que se abrem as pernas lateralmente até que ambas toquem o chão em toda sua extensão) e, como não bastasse aquela loucura de movimento auto-flagelante, repetiam o movimento ao longo de toda a avenida. Graças a Deus não era eu o refém daquela coreografia. O que as trouxe aqui pensei eu. Será que estão ganhando alguma bonificação pra isso? Obviamente não estavam ali movidas por qualquer sentimento patriótico mas, sem divagar muito nos motivos delas, olhei em volta e vi ali um grupo enorme de pais, professores, políticos, vendedores de pipoca e outros tipos que compõem, o que naquele momento me encheu o coração de alegria por pertencer, nossa sociedade.

Naquele cenário, vi um lado da tradição que não me embrulhou a alma. De repente comecei a amar reuniões de família, outrora tediosas, e comecei a ser tomado por uma curiosidade avassaladora sobre os horrores que meus avós viveram, uns na segunda guerra, outros retirantes do nordeste tentando a vida na capital, pormenoridades das quais fui inconsolavelmente privado, exceto por uma ou outra história que acabamos por ouvir de tabela nos natais. Ah, como eu lambi os dedos da tradição naquela hora. Pareciam-me os meus próprios dedos repletos da raspa de um bolo feito no meio da tarde.

Amei ali todas as bandeiras, escudos de família, entendi os feriados, rituais de passagem, enfim, foi paixão à primeira vista. Então acordei aos poucos lembrando de cada péssima tradição. Cada estupidez humana precedida pela melhor das intenções, cada beijo desperdiçado com amores não correspondidos, cada buquê, efêmero buquê. Tudo de repente era tão efêmero que parecia perder sentido e as tradições, numa velocidade enorme fugiram de mim e só não se extinguiram por uma coisa: o que eu acabara de sentir era forte demais para esquecer.

Ficou claro pra mim que as tradições só fazem sentido porque estamos em constante mudança. Se não estamos, não faz sentido nenhum. Seu papel é lembrar, nessa jornada de mudanças, que somos recheados dos mesmos mistérios que nos desenvolvem e maquiados por essa mesmice que não nos deixa esquecer o lado de onde viemos e a direção que estamos tomando.

Tradições também são pontos de partida, de inícios absolutos e de recomeços possíveis e, nesse ponto mais bonito, um ode à tradição.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Salário I

Meus digníssimos que tenho a honra de receber em meu blog, venho refletindo sobre o tema salário desde que recebi o último. Não que haja algo de novo em minhas reflexões que seja digno de qualquer louvor, mas não posso deixar de elevar minha reflexão porque encontrei riqueza, mesmo em lugares que me parecem muito comuns.

Dizem que mentira tem a perna curta. Certamente não conhecem o meu salário.
Uma mentira, percorre olimpíadas, copas, anos, meses, dias, horas, minutos e até alguns segundos. As pernas do meu salário tem garantia de dois passos, um até meu bolso e outro de volta pro banco. É quase comparável a uma idéia. Mais daquelas más idéias que logo passam, deixam-nos de mau humor e nos emburrecem, mas todo mês temos um misto de obrigação e prazer de encará-las.

Então, dizem que devemos sonhar, que os sonhos podem mudar nossas vidas e deixar nosso rastro na história da humanidade, mesmo que para um grupo seleto de pessoas com o qual realmente nos importamos. Dizem isso com a boca cheia de palavras de superação, de histórias cabulosas de heróis possíveis e talentos ocultos que encontraram meios de se revelar. Acho que deveriam, antes de dizer isso, ensinar-nos bons hábitos de vida. Dar-nos alertas das armadilhas do crédito, dos impostos que pagamos sem ver claramente seus resultados. Bom, chega de política, antes que tudo se perca na epiderme dos pensamentos parciais e não entranhe nada no organismo de vossas idéias.

O fato é que nossos hábitos de vida definem nosso salário e não o nosso salário define nossos hábitos de vida.

Quando me dei conta disso, percebi que eu gostava muito de viajar e isso tinha a ver com deixar para trás meus limites, quando na verdade são eles mesmos, fantasiados de minhas responsabilidades, que expandem meus horizontes. Ficar em casa, não significava mais uma tediosa espera pelo nada, mas um retorno às coisas do cotidiano que tenho deixado pra trás e que são minha riqueza maior. Vejam só, até criei esse blog para voltar a escrever.

O salário é um padrão. Como tal, desprovido da concreticidade do papel moeda, é uma tradução do meu dia-a-dia. De como me desenvolvo e sou desenvolvido por ele. Quando a bíblia cita muito bem que o salário do pecado é a morte, ela me traz a idéia de que meu cotidiano será como se todo mês a morte vai me encontrar e vou conviver com ela até que vire o mês ou que eu tome outra atitude. É exatamente essa idéia que fica clara quando penso no meu salário: Meu cotidiano define o meu salário.

Agora, quanto custa meu cotidiano? Refletir sobre o custo de uma vida me deixou bem perplexo, afinal, passamos boa parte da vida atrás desse tal salário. Como podem me oferecer tão pouco por minha vida? Mas o pior não é isso. Por quê passamos a maior parte da vida escolhendo hábitos de vida que nos prejudicam? Nos esmeramos em nosso cotidiano para destruir nosso salário usufruindo de escolhas que nunca nos satisfazem. O que houve com a sabedoria milenar "Por quê gastais o dinheiro naquilo que não é pão e o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer vossa alma?"?

Cada vez mais percebo que ganho pouco. Cabe-me agora perceber os meios de transformar o pouco em muito no meu dia-a-dia. Valorizar meu cotidiano. Acho que essa é a única forma de valorizar meu salário, valorizando meu tempo e minhas escolhas.

Comentem, façam sugestões e sempre, sempre tenham autocrítica.

Abraços

Voar e cair

domingo, 13 de setembro de 2009


No que ele tá pensando?

Só li tud

Pode demorar, mas vale o dote
Explorar seus póros
Pra criar um mote

Ter o que esperar dá pressa
Ter que conquistar, preguiça
Muita missa pra rezar à beça
Que pra pecar mais, atiça


Solidão é descaminho
É desvario e desvalio
Mais vale é te esperar
Muito melhor desafio

Uma espera é estar só
Ainda que não solitário
Como peça esquecida
De um enorme relicário
Como ovos em um ninho
Como o povo de uma ilha
Nunca estrada, apenas trilha
Onde sigo meu caminho